Depressão no Brasil: Por que os Casos Aumentaram nos Últimos Anos e Como a Psicanálise Pode Ajudar?
- André Voss
- 26 mar
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Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado um crescimento expressivo nos casos de depressão. Dados do Ministério da Saúde (Vigitel 2021) indicam que 11,3% da população já recebeu diagnóstico médico de depressão, sendo a prevalência maior entre mulheres (14,7%) do que entre homens (7,3%). A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o Brasil é o país com maior prevalência de depressão na América Latina, e o segundo nas Américas, atrás apenas dos Estados Unidos. Um estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) revelou que, entre março e abril de 2020, no início da pandemia, os casos de depressão aumentaram 90%. Já na saúde suplementar, o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) registrou um salto de 11,1% para 13,5% nos diagnósticos de depressão entre 2020 e 2023, sendo que entre mulheres a taxa chegou a 18,5%.
Esses números alarmantes não devem ser entendidos apenas como uma questão médica ou estatística. A psicanálise nos permite ir além dos indicadores, reconhecendo na depressão um fenômeno que expressa um mal-estar mais profundo — um sintoma do sujeito contemporâneo diante das rupturas sociais, das transformações culturais e da fragilidade dos laços que sustentam a vida psíquica.
O Brasil — como boa parte do mundo — tem enfrentado, nos últimos anos, uma série de eventos marcantes e disruptivos: a pandemia de COVID-19, o isolamento social prolongado, crises econômicas, polarizações políticas e mudanças abruptas nas formas de viver, trabalhar e se relacionar. Esses acontecimentos abalaram profundamente o cotidiano das pessoas, e não por acaso, observou-se um aumento expressivo nos índices de sofrimento psíquico. A pergunta que se impõe é: por que esses eventos impactaram de maneira tão intensa o psiquismo coletivo?
Do ponto de vista psicanalítico, a depressão não é apenas um distúrbio bioquímico ou uma falha individual. Ela pode ser compreendida como um sintoma que expressa impasses subjetivos diante das exigências do mundo externo e das relações com os outros. Freud, ainda no início do século XX, já apontava que o mal-estar é inerente à vida em sociedade. Vivemos permanentemente atravessados por renúncias, ideais de desempenho e por um imperativo de felicidade que nem sempre encontra sustentação na experiência concreta de cada sujeito.
Durante a pandemia, o laço social — elemento essencial para a constituição do sujeito — foi drasticamente enfraquecido. A ausência dos encontros, das trocas cotidianas e dos rituais que organizavam o tempo e o espaço da vida afetaram profundamente a capacidade de simbolizar a experiência. Muitos se viram diante de um vazio: o tempo tornou-se suspenso, o futuro incerto e a rotina perdeu seus contornos. Nesse cenário, a depressão emergiu como resposta psíquica à perda de referências simbólicas e à vivência de um desamparo que já é estrutural, mas que foi intensificado de forma aguda.
Além disso, a sociedade contemporânea impõe ao sujeito a necessidade constante de se mostrar produtivo, feliz e bem-sucedido. As redes sociais, por exemplo, muitas vezes acentuam essa lógica, criando uma imagem idealizada de vida que entra em conflito com a experiência real do sofrimento. Quando o sujeito não consegue sustentar essa imagem, a sensação de fracasso se intensifica — e o sentimento de inutilidade, de desesperança e de esvaziamento toma lugar.
A psicanálise, ao contrário de oferecer soluções rápidas ou prometer felicidade, propõe um espaço onde o sofrimento pode ser escutado em sua singularidade. Trata-se de construir, por meio da palavra, novos sentidos para experiências que, de outro modo, permanecem silenciadas. Não se trata de “curar” a depressão no sentido médico do termo, mas de criar condições para que o sujeito possa se reapropriar de sua história, de seu desejo e de sua posição no mundo.
A escuta psicanalítica reconhece que os sintomas não são inimigos a serem combatidos, mas manifestações de algo que merece ser compreendido. E é nessa compreensão que reside uma possibilidade de transformação. O aumento da depressão nos últimos anos não é apenas um reflexo de fatores externos, mas um sinal de que algo no modo de vida contemporâneo tem falhado em oferecer ao sujeito os meios simbólicos para sustentar sua existência. Diante disso, a psicanálise reafirma seu lugar como prática ética, que não apaga o sofrimento, mas lhe dá voz.
Referências:
BRASIL. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2021: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: MS, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Depression and Other Common Mental Disorders: Global Health Estimates. Geneva: WHO, 2017. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/depression-global-health-estimates
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UERJ). Estudo aponta aumento de 90% nos casos de depressão durante a pandemia. 2020. Disponível em: https://www.ibase.br
INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE SUPLEMENTAR (IESS). Casos de depressão crescem na saúde suplementar entre 2020 e 2023. 2024. Disponível em: https://www.iess.org.br
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